Ele deixou de ser o duende verde com os pés ao contrário. O Curupira é agora um homem deslumbrante e encantador que prende suas vítimas em seu olhar sedutor e as leva para o caminho da morte!!!
A brisa era suave e refrescante e
o casal parou para descansar sob a sombra da imensa samaúma¹. Tomaram um gole
de água cada um e abriram um mapa para tentarem se situar dentro da mata. A
pequena bússola indicava que estavam no caminho certo para achar o Largo da
Vitória-Régia.
Era um paraíso perdido dentro da
floresta tropical e a jovem desbravadora de lendas mal podia esperar para
encontrar o local exato onde, segundo a lenda, a lua Jaci havia transformado a indiazinha
Naiá em uma estrela d´água.
-Tem certeza de que estamos no
caminho certo?
-Não tem como não ser por
aqui.
A moça olhava ao redor para
encontrar vestígios de sua busca. O rapaz parecia já um pouco entediado.
-Não sei como deixei que me
convencesse a vir com você. Essa sua loucura atrás de desvendar lendas ainda
vai nos causar problemas. Essa mata deve estar cheia de animais selvagens.
Ela riu diante da preocupação
dele e não pareceu nem um pouco intimidada com os temores do amigo.
-Acredite. Essas lendas e seus
personagens existem. Há provas o bastante para acreditar que podem ser mais
reais do que possamos imaginar. Nasceram diante da crença popular e enquanto
sua lenda for viva, eles também serão.
-Não sei se estou pronto para ver
nenhum deles diante de mim. O que são? Fantasmas? Ilusão de ótica?
-Depende da lenda. Alguns são
muito próximos do que vemos nos livros, outros podem ter aspecto
fantasmagórico, mas já ouvi dizer que o que procuramos especificamente, tem
aparência quase humana.
-Não sei se quero ver nenhuma
dessas criaturas pessoalmente.
-Não seja medroso. São
controlados pela mente. Estão sujeitos a viver do poder que damos à eles diante
do que acreditamos ou não.
-E o que isso quer dizer?
-Quer dizer que podemos controlá-los
com o poder do nosso pensamento. Se pensarmos que são perigosos, então eles
serão. Se pensarmos que são dóceis e amáveis, é assim que vão se portar.
1.SAMAÚMA é uma árvore
frondosa, considerada sagrada para o antigo povo “maia” e os que habitam às florestas.
O rapaz sacudiu a cabeça
desanimado. Achava que a amiga estava um pouco obcecada por essas histórias
folclóricas e ele já começava a se arrepender de estar ali. Recomeçaram a andar
e a moça explicava todo o fundamento da lenda dos tempos antigos até os dias de
hoje.
-Então depois de se transformar
em vitória-régia a índia casou-se com o curupira ? Mas como, se ela deixou de
ser uma mulher ?
-Ela deixou de ser uma mulher
para esse mundo. Passou a viver em um mundo paralelo onde existem muitos outros
mitos de outras lendas.
-Casaram-se, tiveram filhos e
viveram felizes para sempre no mundo da imaginação. Ai, Jesus, que crença mais sem
noção. Eu realmente estava bêbado quando concordei em te acompanhar.
O amigo da moça estava já se
irritando com essas baboseiras e a aventura, que a primeira vista pareceu
excitante, se mostrava agora cansativa e idiota. Ele devia estar louco mesmo.
E quando ia sugerir que voltassem
para o acampamento antes que a noite caísse e eles se perdessem na floresta, a
amiga deu um grito de satisfação e ele correu para contemplar junto com ela um
dos lugares mais perfeitos que já tinha visto.
Um imenso lago todo coberto por
vitórias-régias lindamente dispostas em todos os ângulos, algumas floridas,
podia ser enxergadas até onde a vista alcançasse. A água era transparente e
calma. Ao redor da mata pequenas flores campestres de cores variadas que subiam
ladeando uma imensa colina. Lá do alto uma cachoeira cujas águas caiam
suavemente em cascata.
-Eu te falei ... eu te falei que
íamos conseguir.
Os amigos se abraçaram felizes.
Soltaram todos os apetrechos que carregavam na areia e correram para dentro das
águas claras do lago. Perderam a noção do tempo brincando entre as
vitórias-régias e foi no momento em que sentaram para que o sol da tarde os
secassem que o rapaz percebeu a movimentação das plantas.
-Hei. Olha isso. Elas estão se
movendo.
A moça se levantou para observar
melhor. As plantas pareciam obedecer a um ritmo e giravam entre si enquanto se
organizavam em roda.
-Parece um ritual. Estão dançando
para a vitória-régia mãe.
-E como sabe disso?
-Porque movimentam-se em volta da
maior de todas bem no centro do lago.
O rapaz olhou e viu espantado uma
planta gigantesca cuja flor, tão imensa quanto, abria-se lentamente.
-Não é extraordinário?
-Bom, eu...pra ser sincero...acho
melhor sairmos daqui. Não estou gostando muito disso.
Enquanto a moça parecia em transe
prestando atenção a cada movimento das plantas no lago, o rapaz pegava suas
coisas e as ajeitava nas costas. Algo chamou a atenção dele. Ao longe um rastro
de fogo cortava por entre as árvores velozmente.
Um arrepio percorreu sua espinha
e frisou seus cabelos da nuca. Ele endireitou o corpo e prestou atenção ao
movimento. Foi quando o viu. Ele estava parado com um dos ombros encostado no
tronco da árvore no início da trilha que os levaria de volta, os braços
cruzados sobre o peito nu, de bermuda surrada, e pés descalços que estavam
cruzados. Um para frente e o outro para trás.
Os cabelos longos e volumosos
voavam com a brisa e brilhavam como fogo sobre a luz do sol.
O rapaz ficou preso ao olhar
metálico do personagem que o observava e mal conseguiu balbuciar algumas
palavras.
-Lisa, temos companhia.
-O quê ?
A moça virou-se para o amigo e um
calafrio lhe percorreu toda a espinha. Então era mesmo verdade. Ele existia de
fato.
Ela deu alguns passos até o amigo
e viu a criatura curvar a cabeça pensativo, avaliando-os cuidadosamente.
-Espero que tenha um bom controle
de mente, porque não vejo como vamos sair dessa.
-Não seja tão medroso. É uma
criatura irracional. Não tem inteligência humana. Observe como ele nos olha não
sabendo direito o que fazer.
-Pois eu acho que ele nos olha
sabendo exatamente o que fazer. E algo me diz que não é coisa boa.
Ela abaixou-se depressa querendo
achar a máquina fotográfica em sua mochila.
O pé invertido voltou para sua
posição natural e o Curupira deu dois passos em direção a eles medindo a reação
do casal. Tão rápido quanto a velocidade da luz, aproximou-se como uma rajada
de fogo.
Assombrados eles primeiro se
petrificaram e um segundo depois correram para a mata deixando suas coisas para
trás. O rapaz sentiu quando foi atingido por alguma coisa quente que queimou
sua pele e o envolveu em um fogo que consumia seu corpo em chamas.
Ele gritava em agonia,
debatendo-se no chão. A amiga voltou para ajudá-lo e antes que pudesse fazê-lo
foi interceptada pelo corpo escultural e imponente do mito.
Ela ergueu a cabeça para olhá-lo
de perto. Era muito alto e tinha os olhos platinados. O corpo era forte e
escultural e sua pele muito alva e imaculada. Seus cabelos vermelhos tinha uma
franja na altura do nariz que emoldurava seu rosto e o restante dos fios eram
compridos o bastante para que caissem escorridos e repicados pelo ombro em mechas
sedosas.
Os lábios da garota tremiam e ela
sabia que devia correr, ou pelo menos tentar. Mas estava hipnotizada pela
imagem dele e talvez o medo que sentia a tenha paralisado. Ela não sabia dizer.
Se o amigo não estivesse
queimando vivo bem a sua frente, teria desfrutado da visão esplendorosa que a
criatura representava.
Capturada pela luz prata do seu
olhar, ela ainda conseguiu perguntar.
-Quem é você?
Ele dobrou a cabeça, olhando-a
profundamente. E com um voz doce e acalentadora respondeu no mesmo momento que
a puxava pelo pescoço.
-Eu ? - Sorriu encantadoramente. – Sou apenas o fruto
da sua imaginação.
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